sábado, 7 de novembro de 2015

Onde está Wally?


Lê o artigo de divulgação científica que se segue.

1.      Demonstra que neste artigo, como frequentemente acontece, nem sempre se recorre a uma “linguagem objetiva e sem artifícios retóricos ou estilísticos".

2.      Localiza conetores:

2.1. de oposição/contraste (quatro diferentes).

2.2. de concessão (dois). 

De como a vitamina C mata as células do cancro colorrectal


Os cancros colorrectais portadores de determinadas mutações genéticas reagem à administração de altas doses de vitamina C de tal forma que as suas células acabam por morrer, conclui um estudo publicado online, esta quinta-feira, no site da revista Science. Depois de décadas de controvérsia em torno dos eventuais efeitos anticancerígenos da vitamina C, poderá ser agora finalmente possível, dizem os autores do estudo, aproveitar esta toxicidade selectiva (já que a vitamina C poupa as células saudáveis) para desenvolver novas terapias contra este e outros cancros.

A vitamina C (ou ácido ascórbico) é uma substância vital para o nosso organismo: a sua deficiência provoca graves doenças tais como o escorbuto. Também tem uma acção antioxidante. O nosso organismo vai em geral buscá-la aos alimentos (laranjas e outros), mas também pode ser administrada em comprimidos.

No que respeita à sua eventual eficácia no tratamento do cancro, uma coisa é certa: a existir, esse efeito só pode ser obtido com doses muito mais elevadas de vitamina C do que aquelas que costumamos ingerir. Porém, os testes feitos em doentes desde os anos 1970 têm fornecido resultados por vezes contraditórios entre si.

“A terapia anticancro com vitamina C em altas doses tem uma história controversa”, escreve no seu artigo a equipa, liderada por Lewis Cantley, da Universidade Cornell (EUA). “Enquanto alguns dos primeiros estudos sugeriam que ela tinha uma actividade antitumoral, outros mostraram que esses efeitos eram reduzidos.”

Todavia, acrescentam os autores, estudos mais recentes sugerem que os dados clínicos contraditórios obtidos até aqui poderão ser explicados, pelo menos em parte, pelo facto de o modo de administração do tratamento não ser o mesmo nos vários estudos. “A única forma de se atingir concentrações no [sangue] que sejam tóxicas para as células cancerosas é a via endovenosa e não a via oral”, salientam.

Nas experiências agora realizadas, os cientistas constataram que a injecção de altas doses de vitamina C – mais ou menos equivalentes ao conteúdo de 300 laranjas – perturba o crescimento dos tumores colorrectais com mutações num de dois genes particulares, respectivamente designados por "KRAS" e "BRAF". E isso acontece tanto in vitro, em culturas celulares, como in vivo, em ratinhos com tumores colorrectais portadores de uma dessas mutações.

O resultado é tanto mais importante quanto as ditas mutações, para além de serem muito frequentes nos cancros colorrectais humanos, tornam muitas vezes esses cancros particularmente difíceis de tratar. “Mais de metade dos cancros colorrectais humanos é portadora [de uma destas duas] mutações – e eles são habitualmente refractários às terapias (…) aprovadas”, escrevem ainda os cientistas na Science.

Mas há mais: até aqui, embora se suspeitasse existir um efeito terapêutico da vitamina C no cancro, o mecanismo que concretamente mediava esse efeito não tinha sido desvendado. Foi justamente isso que estes cientistas conseguiram agora fazer: “Os nossos resultados fornecem uma explicação em termos de mecanismo para explorar a utilização terapêutica da vitamina C no tratamento dos cancros colorrectais portadores de mutações no gene KRAS ou no gene BRAF”, explica Cantley em comunicado da sua universidade.

Surpreendentemente, os novos resultados provam que, ao contrário do que se pensava, não são as propriedades antioxidantes da vitamina C que provocam a morte das células cancerosas portadoras de uma daquelas duas mutações. Como explica o mesmo documento, o efeito tóxico da vitamina C sobre essas células cancerosas deve-se, antes pelo contrário, ao facto de a vitamina C induzir um processo de oxidação naquelas células.

Mas por que é que apenas as células malignas morrem e as saudáveis são poupadas? Simplesmente porque as células cancerosas possuem, à sua superfície, quantidades muito superiores de um receptor, chamado "GLUT1", do que as células normais. Ora, esse receptor, que permite normalmente a entrada de glucose nas células, também permite a entrada da vitamina C oxidada.

“Embora as células normais também tenham à sua superfície receptores GLUT1, as células com o gene KRAS ou BRAF mutado têm muitos mais, porque precisam de absorver muito mais glucose para sobreviver e crescer”, diz Cantley. E os autores mostraram que, de facto, a forma oxidada da vitamina C se comporta como um “cavalo de Tróia”, aproveitando essa porta de entrada.

E a seguir o que acontece? Os cientistas também descobriram que, uma vez dentro das células cancerosas, outros antioxidantes tentam reverter a forma oxidada para a forma inicial da vitamina C. E que, quando isso acontece, a concentração de antioxidantes no interior da célula fica a tal ponto diminuída que a célula acaba por morrer de stress oxidativo. “Os nossos resultados sugerem que a forma oxidada da vitamina C é o agente farmacêutico activo em causa”, escrevem os autores.

Contudo, os cientistas mantêm-se prudentes, salientando que estes resultados precisam agora de ser avaliados em ensaios clínicos em seres humanos. “São claramente precisos mais estudos para percebermos melhor estes processos”, diz Jihye Yun, primeira autora do estudo, citada no comunicado. “Mas, agora que sabemos quais são os mecanismos, podemos usar esse conhecimento para ver o que acontece dentro dos tumores.”

E a cientista acrescenta que “espera que o estudo incite a comunidade científica a olhar de outra maneira para esta molécula natural e barata, estimulando a investigação básica e clínica da vitamina C enquanto terapia contra o cancro”.

Ana Gerschenfeld, in Público on-line, 6/11/2015, consultado em 7/11/2015 (N.B. O jornal Público não adotou o acordo ortográfico)

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