Lê o artigo de divulgação científica que se
segue.
1. Demonstra que neste artigo, como frequentemente acontece, nem sempre se
recorre a uma “linguagem objetiva e sem artifícios retóricos ou estilísticos".
2. Localiza conetores:
2.1. de oposição/contraste (quatro diferentes).
2.2. de concessão (dois).
De como a vitamina C mata as células do cancro colorrectal
Os cancros colorrectais portadores de determinadas mutações
genéticas reagem à administração de altas doses de vitamina C de tal forma que
as suas células acabam por morrer, conclui um estudo publicado online, esta quinta-feira, no site da
revista Science.
Depois de décadas de controvérsia em torno dos eventuais efeitos
anticancerígenos da vitamina C, poderá ser agora finalmente possível, dizem os
autores do estudo, aproveitar esta toxicidade selectiva (já que a vitamina C
poupa as células saudáveis) para desenvolver novas terapias contra este e
outros cancros.
A vitamina C
(ou ácido ascórbico) é uma substância vital para o nosso organismo: a sua
deficiência provoca graves doenças tais como o escorbuto. Também tem uma acção
antioxidante. O nosso organismo vai em geral buscá-la aos alimentos (laranjas e
outros), mas também pode ser administrada em comprimidos.
No que
respeita à sua eventual eficácia no tratamento do cancro, uma coisa é certa: a
existir, esse efeito só pode ser obtido com doses muito mais elevadas de
vitamina C do que aquelas que costumamos ingerir. Porém, os testes feitos em
doentes desde os anos 1970 têm fornecido resultados por vezes contraditórios
entre si.
“A terapia
anticancro com vitamina C em altas doses tem uma história controversa”, escreve
no seu artigo a equipa, liderada por Lewis Cantley, da Universidade Cornell
(EUA). “Enquanto alguns dos primeiros estudos sugeriam que ela tinha uma
actividade antitumoral, outros mostraram que esses efeitos eram reduzidos.”
Todavia,
acrescentam os autores, estudos mais recentes sugerem que os dados clínicos
contraditórios obtidos até aqui poderão ser explicados, pelo menos em parte,
pelo facto de o modo de administração do tratamento não ser o mesmo nos vários
estudos. “A única forma de se atingir concentrações no [sangue] que sejam
tóxicas para as células cancerosas é a via endovenosa e não a via oral”,
salientam.
Nas
experiências agora realizadas, os cientistas constataram que a injecção de
altas doses de vitamina C – mais ou menos equivalentes ao conteúdo de 300
laranjas – perturba o crescimento dos tumores colorrectais com mutações num de
dois genes particulares, respectivamente designados por "KRAS" e "BRAF". E isso
acontece tanto in vitro,
em culturas celulares, como in vivo,
em ratinhos com tumores colorrectais portadores de uma dessas mutações.
O resultado é
tanto mais importante quanto as ditas mutações, para além de serem muito
frequentes nos cancros colorrectais humanos, tornam muitas vezes esses cancros
particularmente difíceis de tratar. “Mais de metade dos cancros colorrectais
humanos é portadora [de uma destas duas] mutações – e eles são habitualmente
refractários às terapias (…) aprovadas”, escrevem ainda os cientistas na Science.
Mas há mais:
até aqui, embora se suspeitasse existir um efeito terapêutico da vitamina C no
cancro, o mecanismo que concretamente mediava esse efeito não tinha sido
desvendado. Foi justamente isso que estes cientistas conseguiram agora fazer:
“Os nossos resultados fornecem uma explicação em termos de mecanismo para
explorar a utilização terapêutica da vitamina C no tratamento dos cancros
colorrectais portadores de mutações no gene KRAS ou
no gene BRAF”,
explica Cantley em comunicado da sua universidade.
Surpreendentemente,
os novos resultados provam que, ao contrário do que se pensava, não são as
propriedades antioxidantes da vitamina C que provocam a morte das células
cancerosas portadoras de uma daquelas duas mutações. Como explica o mesmo
documento, o efeito tóxico da vitamina C sobre essas células cancerosas
deve-se, antes pelo contrário, ao facto de a vitamina C induzir um processo de
oxidação naquelas células.
Mas por que é
que apenas as células malignas morrem e as saudáveis são poupadas? Simplesmente
porque as células cancerosas possuem, à sua superfície, quantidades muito
superiores de um receptor, chamado "GLUT1", do que as células
normais. Ora, esse receptor, que permite normalmente a entrada de glucose nas
células, também permite a entrada da vitamina C oxidada.
“Embora as
células normais também tenham à sua superfície receptores GLUT1, as células com
o gene KRAS ou BRAF mutado têm muitos mais, porque
precisam de absorver muito mais glucose para sobreviver e crescer”, diz
Cantley. E os autores mostraram que, de facto, a forma oxidada da vitamina C se
comporta como um “cavalo de Tróia”, aproveitando essa porta de entrada.
E a seguir o
que acontece? Os cientistas também descobriram que, uma vez dentro das células
cancerosas, outros antioxidantes tentam reverter a forma oxidada para a forma
inicial da vitamina C. E que, quando isso acontece, a concentração de antioxidantes
no interior da célula fica a tal ponto diminuída que a célula acaba por morrer
de stress oxidativo. “Os nossos resultados sugerem que a forma oxidada da
vitamina C é o agente farmacêutico activo em causa”, escrevem os autores.
Contudo, os
cientistas mantêm-se prudentes, salientando que estes resultados precisam agora
de ser avaliados em ensaios clínicos em seres humanos. “São claramente precisos
mais estudos para percebermos melhor estes processos”, diz Jihye Yun, primeira
autora do estudo, citada no comunicado. “Mas, agora que sabemos quais são os
mecanismos, podemos usar esse conhecimento para ver o que acontece dentro dos
tumores.”
E a cientista
acrescenta que “espera que o estudo incite a comunidade científica a olhar de
outra maneira para esta molécula natural e barata, estimulando a investigação
básica e clínica da vitamina C enquanto terapia contra o cancro”.
Ana Gerschenfeld, in Público
on-line, 6/11/2015, consultado em 7/11/2015 (N.B. O jornal Público não adotou o acordo ortográfico)
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