«A imagem do hipster subiu ao povo, na expressão de Pedro Homem de Mello. O povo, sábio até na indolência, adaptou apenas os traços largos. Começou por apontar na direcção de Júlio Dinis, mas, desanimado pelas exigências do penteado, acabou por escolher uma barba low maintenance à Antero de Quental.
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É assim que os jovens procuram distinguir-se dos avós que, sendo saloios
vaidosos, ostentam suíças hirsutas, usando como espelho de bolso uma lata de
atum Tenório.
Completam a indumentária uma camisola de gola alta e jeans justinhos
que desmaiam nas canelas para dar espaço a uns lustrosos botins de aprendiz de
vaqueiro.
O silêncio assenta-lhes bem, mas a alma deles
é generosa de mais para alinhar em conspirações puramente estéticas. Num centro
comercial uma mãe, acompanhada por uma filha adolescente, pergunta a um destes
falsos hipsters onde é que fica o elevador. Ele diz:
“Não sei.” E depois, enojado pela própria falta de cooperação, acrescenta escusadamente:
“Não deve ser muito longe daqui.” E, nisto, olha à volta, para ilustrar o
sentido do que disse. A adolescente, mal vira as costas, diz à mãe, sem
olhar para ela: “Mais um que é cool até abrir a boca.” Cool Até Abrir A
Boca é CAAAB. Os rapazes que são CAAAB são os caaabóis.
A crueldade daquelas palavras faz medo. Por alguma razão tentam
convencer-nos desde pequeninos que quando não temos nada para dizer mais vale
ficarmos calados. Quem diria que isso era um bom conselho? Assim sendo, já não
é tão mau ser-se cool até abrir a boca.»
Miguel Esteves Cardoso, in Público, 4/2/2016
Como sabem, gosto muito do Miguel Esteves Cardoso (há muito boa gente que acha super cool dizer "O MEC"). Mas escolhi esta história porque é muito mais engraçada - e atual - do que a minha velha história do "Vindes cum nós?" ou da ainda mais velha história (tão velha, que não a presenciei) do "naboiero"... A fotografia é de Antero de Quental, um poeta que vamos estudar no 3.º período.
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