Dificilmente encontraríamos cineasta menos unânime para adaptar Os Maias ao grande écrã, mas João Botelho atirou-se ao romance de Eça sem medo. "Isto" – o cinema, o dinheiro para o fazer – "é tão raro que um gajo só pode filmar coisas importantes", diz. Para lá das telas pintadas, do guarda-roupa de época, do artifício, Os Maias é um filme sobre Portugal, hoje.
Se há um livro unânime como grande romance português, é Os Maias, de Eça de Queirós, um enorme fresco, entre
crónica de costumes e alta literatura, de um Portugal oitocentista que continua
a falar aos nossos dias como raras obras literárias o conseguiram. Dificilmente
encontraríamos cineasta menos unânime para adaptar Os Maias ao grande écrã do que João Botelho, 65 anos,
autor de um dos universos mais singulares e menos consensuais do cinema
português desde a sua estreia em 1981 com Conversa Acabada. Saído do êxito de Filme do Desassossego (2010) – que lançou sem distribuidor em digressão pelo país,
somando 30 mil espectadores que dificilmente o teriam ido ver no circuito
tradicional –, abalançou-se ao romance de Eça sem medo.
“Não
quero fazer um filme de época”, diz numa esplanada com vista sobre a Avenida da
Liberdade, numa tarde de fim de Verão, referindo-se ao artificialismo assumido
de um filme todo ele em interiores sobre uma Lisboa impossível de recriar
fisicamente em exteriores. Pelo meio de muitos cigarros e de um discurso
entusiasmado, (…) Botelho explica como o seu filme aposta num “distanciamento
pelo artifício”: fiel à narrativa e ao espírito, mesmo que não à letra, de um
romance sobre o Portugal de ontem que fala muito ao Portugal de hoje.
In Público, 11/9/2014
Rasurem da ata a palavra "gajo". O João Botelho não foi meu aluno... coitado.