sábado, 15 de abril de 2017

Comunicar em público

Comunicar em público é, e digo-o com toda a convicção, um dos maiores desafios que qualquer pessoa enfrenta na sua vida profissional. Seguem-se 6 dicas úteis que o ajudarão a ser um comunicador de excelência, sempre que pisar um palco.

DICA 1

PREPARE-SE BEM
Tal como os grandes atletas se preparam para uma prova de alta competição, os grandes comunicadores preparam-se muito bem quando têm a missão de falar em público. E porquê? Porque sabem que uma boa preparação lhes traz segurança a si e à audiência.
Qualquer pessoa que assiste a uma comunicação gosta de sentir que o orador está bem preparado. E é uma questão de honra, também, pois ninguém quer perder tempo a ouvir um orador inseguro, pouco confiante e que tropeça no discurso.
Assim, em qualquer situação formal de comunicação – uma reunião, uma palestra, uma conferência, uma apresentação de um projeto, ideia ou produto – treine o seu discurso, de forma bem articulada, tantas vezes quantas necessárias para saber na ponta da língua o que vai dizer. Mas atenção! Não se pretende um discurso memorizado, mecânico, sem emoção. Trata-se de um “saber de cor” solto, descontraído, mas cuidado e seguro.
Registe esta primeira dica se quer projetar uma imagem credível e poderosa, sempre que pisar um palco.

DICA 2

SEJA BREVE E RELEVANTE

Um orador de excelência é aquele que consegue transmitir uma mensagem interessante e com alguma surpresa num curto período de tempo. Respeitar o tempo de quem o ouve é mais do que lhe agradar. É dar-lhe honra.
Se a sua mensagem for demasiado longa, perderá, seguramente, a sua audiência, por isso, seja breve, conciso e pouco palavroso. Acredite: consegue um maior impacto na comunicação quando fala pouco.
Outro aspeto muitíssimo importante: separe o trigo do joio, ou seja, deve selecionar a informação estritamente relevante para oferecer ao seu público e deixar de lado tudo o que é acessório: tabelas e estatísticas maçadoras, aspetos demasiado teóricos sobre o tema, etc., etc. Não é falta de rigor. É tão-somente querer ser objetivo e relevante.
Qualquer pessoa que se predispõe a ouvir um orador deseja ser inspirada e emocionada, claro, mas suplica em silêncio por não ser invadida por uma dose excessiva de informação.
“Less is more”, já ouviu dizer?

DICA 3

SEJA CLARO

A comunicação não deve ser uma corrida de obstáculos, por isso, por mais complexo que seja o tema do discurso, um orador exímio é aquele que consegue descomplicar a sua mensagem. CLAREZA é, sem dúvida, uma qualidade central de uma comunicação eficaz.
Se deseja prender a atenção da sua audiência, então deve transmitir a sua mensagem de modo a que toda a gente perceba. Mas como? Fazendo a escolha certeira das palavras, que se querem simples, comuns e reconhecidas por todos.
Quem comunica deve colocar o interesse do outro acima de tudo. Este aspeto é mesmo primordial na comunicação: comunicar bem é pensar em primeiro lugar no ouvinte.
Assim, evite o uso exibicionista de palavras complicadas e herméticas (sim, foi de propósito!), que atrasam o processamento da mensagem e desmotivam quem o ouve. Evite também utilizar terminologia técnica (ou se a utiliza, explicita-a sempre) e use estrangeirismos com conta, peso e medida.
Nunca se esqueça: as coisas interessantes podem ser ditas de forma simples. Por isso, descomplique, sempre!

DICA 4

COMUNIQUE SEM ERROS

Um bom comunicador tem uma exímia competência linguística. Comunica com uma voz segura e uma dicção perfeita, usa um vocabulário adequado a um registo linguístico formal e não comete erros gramaticais, como “quero ir de encontro às vossas expectativas”, “ele interviu”, “haviam muitas pessoas”, nem vícios de linguagem como “tipo”, “à séria”, “eu realizei que...”, entre outros barbarismos.

Sempre que falar em público, esforce-se por articular bem as palavras, eliminando as supressões típicas da oralidade: os ‘tou, p’ra, tamém, mê’mo... E a voz? Deve ser segura e assertiva, de modo a transmitir credibilidade e confiança.
Muito importante: ao longo da sua comunicação, faça pausas. As pausas e os momentos de silêncio criam impacto e são cruciais para a sua audiência poder processar a informação que vai recebendo.
Um conselho final muito útil: escolha as palavras e o registo linguístico em função do público que o vai ouvir (e por isso deve conhecê-lo previamente).
Comunica para o outro, lembra-se? É sempre isto que deve ter em mente.

DICA 5

SEJA CATIVANTE

Um orador surpreendente é aquele que cria um envolvimento emocional com o público, interagindo com perguntas, partilhando experiências, testemunhos pessoais ou até mesmo acrescentando um apontamento de humor.
Já ouviu falar do storytelling? Pois bem! A sua audiência ficará presa à cadeira sempre que contar uma história marcante ou um testemunho poderoso durante a sua comunicação. E porquê? Porque as imagens que a audiência vai criando ao ouvir as suas histórias reforçam e tornam mais colorida a sua mensagem. Quanto mais visuais forem, tanto melhor. E se forem recheadas de humor, sucesso garantido. As histórias provocam exatamente a mesma emoção que sentimos ao ver um bom filme.
Registe e comprove esta verdade: é das histórias que as pessoas se lembrarão, muito tempo depois de o ouvir.

DICA 6

MOVIMENTE-SE BEM E SORRIA

Quando tiver a missão de falar em público, não deve preocupar-se somente com as palavras, mas também com a sua linguagem corporal. Os melhores comunicadores têm uma postura “de comando” e uma linguagem corporal que reflete carisma e segurança.
Assim, tome nota dos seguintes aspetos relacionados com a comunicação não-verbal que deverá ter em conta quando pisar um palco:
  1. Mantenha uma postura correta: costas direitas e posição das mãos na linha do umbigo projetam uma imagem de autoconfiança.
  2. Movimente-se bem: movimentos e gestos moderados criam dinamismo na comunicação.
  3. Olhe o público nos olhos: o contacto visual cria envolvimento emocional com as pessoas.
  4. SORRIA. Uma boa expressividade facial e um sorriso criam empatia imediata com a audiência.

Finalmente, não se esqueça de um aspeto extremamente importante: a sua imagem.
Para se ter presença de comando em cima de um palco, a sua comunicação deve estar em perfeita consonância com a sua indumentária, que pode não ser demasiado formal, mas deve projetar uma imagem credível e profissional. E são estes aspetos no seu conjunto que lhe conferem credibilidade.
Sabia que, quando subimos a um palco, antes de abrirmos a boca já fomos avaliados pela nossa imagem, de alto a baixo? E, segundo os especialistas, são necessários apenas 7 segundos para essa avaliação.
(...)
Reúna todas estas dicas, coloque cada uma num “post it” colorido e memorize esta máxima: é a poderosa simbiose palavra/imagem que fará com que, sempre que pisar um palco, se torne um orador de excelência e inesquecível.
E agora? É só treinar e treinar e treinar. Na hora da verdade, suba as escadas devagar e respire fundo. O palco é seu.
In Visão (texto adaptado)

Não há uma receita, há muitas receitas

As 9 características que todos os pais de miúdos com sucesso têm em comum

Vários estudos científicos relacionam a educação com o sucesso. E há pelo menos 9 semelhanças entre os pais de filhos que se deram bem na vida

Todos os pais querem que os seus filhos não se metam em sarilhos, tenham sucesso escolar e uma vida cheia de alegrias. Não há uma receita certa, mas várias investigações têm vindo a apontar alguns caminhos e fatores que não determinam mas podem influenciar ou prever o sucesso futuro. Aqui ficam 9 coisas que pais de miúdos bem sucedidos têm em comum:

1 - Põem os miúdos a fazer tarefas 
Pode não ser fácil e gerar alguma tensão familiar mas pôr as crianças a fazer algumas tarefas domésticas só lhes faz bem, além de ser uma ajudinha extra para os pais. Julie Lythcott-Haims, da Universidade de Stanford e autora do livro "Como criar um adulto", disse numa Ted Talk: "Se os miúdos não estão a tratar da sua louça é porque alguém o está a fazer por eles. E estão a ser absolvidos não apenas do trabalho, mas também de aprenderem que o trabalho tem de ser feito e que cada pessoa deve contribuir para melhorar o que é de todos".
Segundo a autora, as crianças que cumprem tarefas em casa tornam-se profissionais que colaboram mais com os colegas, criam mais empatia porque reconhecem o esforço necessário e são capazes de desenvolver tarefas de forma independente.
As bases desta teoria são do "Harvard Grant Study", o mais vasto estudo longitudinal dos Estado Unidos sobre o desenvolvimento de pessoas adultas
Ao Tech Insider, Julie Lythcott-Haims explica: "Ao pô-los a fazer tarefas - pôr o lixo na rua, tratar das suas roupas - fazemos com que se apercebam de que têm de trabalhar. Devem saber que as suas vidas não se centram só neles e que pertencem a um ecossistema, a uma família ou a um local de trabalho partilhados".

2 - Mantêm as expectativas altas 
Um estudo conduzido pela Universidade da Califórnia, envolvendo 6600 crianças nascidas nos Estados Unidos em 2001 veio descobrir que as expectativas que os pais têm para os seus filhos têm um efeito considerável nas suas realizações futuras: 57% das crianças que tiveram menos sucesso tinham pais que esperavam que chegassem ao ensino superior. Mas 96% das crianças que foram bem sucedidas tiveram pais que ambicionavam que chegassem e concluíssem o ensino superior.

3 - Ensinam-lhes capacidades sociais
A simpatia e abertura para fazer amigos podem ser fundamentais para definir o sucesso dos seus filhos. Dois grupos de investigadores - da Universidade da Pensilvânia e da Universidade Duke na Carolina do Norte - avaliaram mais de 700 crianças de vários estados americanos durante o período em que frequentaram o jardim-de-infância e até aos 25 anos. O que descobriram foi uma correlação muito forte entre as capacidades sociais reveladas e praticadas no jardim-de-infância e o seu sucesso enquanto adultos duas décadas depois.
Segundo as conclusões do estudo, as crianças com mais competências sociais - que cooperam e ajudam os colegas e que parecem ter facilidade em compreender os seus sentimentos - têm uma maior probabilidade de conseguir um diploma universitário e ter um trabalho a tempo inteiro aos 25 anos do que aqueles que revelavam poucas capacidades sociais no jardim-de-infância. Os miúdos com mais limitações ao nível das capacidades sociais também revelaram uma maior probabilidade serem presos, terem problemas com álcool e de se candidatarem a habitações sociais
O que o estudo mostra é que " ajudar as crianças a desenvolver capacidades sociais e emocionais é uma das coisas mais importantes que podemos fazer para os preparar para um futuro saudável", diz Kristin Schubert, Diretora da publicação Robert Wood Johnson Foundation que reuniu os resultados deste estudo.

4 - Têm relações saudáveis com os filhos e parceiros
Os pais podem estar separados ou juntos mas o que importa, em nome do sucesso dos mais novos, é que mantenham relações saudáveis e positivas com eles e entre si. De acordo com um estudo da Universidade de Illinois, as crianças que vivem em ambientes de conflito tendem a ter um futuro mais instável do que as outras.
O professor e autor do estudo, Robert Hughes, acrescenta ainda que há crianças com famílias monoparentais saudáveis que reportam muito mais sucesso no futuro do que as que têm os pais juntos mas problemas de conflito permanente entre ambos. Um ambiente calmo, de respeito e compreensão é sempre propicio a um desenvolvimento de sucesso.
Os problemas de adaptação da relação dos pais no pós-divórcio, que por vezes vem acompanhado de alguma tensão, também têm consequências negativas para as crianças, diz Robert Hughes.
Um outro estudo veio concluir que o ideal será um contacto frequente entre as crianças e os pais sem a custódia, em vez da luta ou discussão pela custódia e visitas surpresa ou esporádicas. Ter cuidado com este tipo de postura facilita a adaptação das crianças ao divórcio e, depois, à vida futura.

5 - Têm um nível educacional mais elevado
As expectativas pessoais são, muitas vezes, o reflexo das expectativas e ambições dos pais. Um estudo de 2014 da psicóloga Sandra Tang, da Universidade de Michigan, veio afirmar que as mães que acabam o secundário e a faculdade têm mais probabilidade de vir a criar filhos que sigam o mesmo caminho.
O estudo teve a participação de 14 mil crianças a frequentarem o jardim de infância entre 1998 e 2007 e concluiu que os filhos de mães adolescentes (de 18 anos ou mais novas) têm menor probabilidade de concluir os estudos secundários e superiores.
Ou seja, as aspirações educacionais dos pais têm influência sobre as aspirações dos filhos. Num estudo longitudinal feito em 2009 por pelo psicólogo Eric Dubow e que incluiu os testemunhos de 856 pessoas de zonas rurais veio descobrir-se que "o nível educacional dos pais quando as crianças têm 8 anos faz prever de forma significativa o seu sucesso educacional e profissional nos 40 anos de vida seguintes".

6 - São pais menos stressados
De acordo com uma pesquisa recente, citada pelo Washington Post, o número de horas que as mães passam com os seus filhos - entre os 3 e os 11 anos - tem pouco impacto no futuro comportamento, bem-estar e sucesso dos miúdos. O que verdadeiramente pesa é a qualidade e calma dos momentos que partilham.
"O stress das mães, especialmente causado por problemas profissionais ou precisamente por não terem tempo para estar com os filhos, pode afetá-los de forma negativa", diz Kei Nomaguchi, um dos autores desta pesquisa.
Chama-se contágio emocional e é o fenómeno psicológico pelo qual as pessoas "apanham" os sentimentos (mais ou menos como quem apanha um vírus ou uma constipação) e ajuda a explicar estes resultados. Da mesma forma que tendemos a partilhar os mesmos sentimentos com os nossos amigos quando estão felizes ou tristes, quando os apais estão exaustos, frustrados e em stresse, esse estado emocional pode ser transferido para os filhos

7 - Ensinam matemática aos filhos desde cedo
Em nome do sucesso dos seus filhos, não os poupe das contas
Uma análise feita em 2007 a 35 000 crianças americanas, canadianas e inglesas a frequentar o ensino pré-escolar revelou que o desenvolvimento de capacidades matemáticas pode ser altamente vantajoso para o seu futuro
"A importância primordial das capacidades matemáticas desde cedo - concretamente de começar a escola com conhecimentos dos números, da ordem dos números e outros conceitos matemáticos simples - é uma das principais conclusões do nosso estudo", disse o coautor Greg Duncan num comunicado de imprensa sobre o tema.
"A mestria da matemática desde cedo faz prever não apenas as capacidades matemáticas, faz também prever as futuras capacidades de leitura", acrescentou Greg Duncan.

8 - Valorizam os esforços dos seus filhos
É importante que as crianças entendam de onde vem o sucesso: do esforço e do trabalho mais do que do talento. Há já várias décadas que a psicóloga Carol Dweck, da Universidade de Stanford, tem vido a descobrir as formas como crianças (e adultos) pensam acerca do sucesso. As pesquisas e conclusões estão sintetizadas no livro "Mindset: The New Psychology of Success" e destacam-se duas formas fundamentais de pensar o sucesso:
1) Uma abordagem fixa que assume que o nosso caráter, inteligência e capacidade criativa não mudam de forma significativa, e que o sucesso é a afirmação da inteligência natural de cada um. Lutar pelo sucesso ou tentar evitar o insucesso a qualquer custo é uma forma de manter os níveis e expectativas de cada um.
2) Uma abordagem em crescimento que pressupõe o desafio e a superação. Quem a tem vê as falhas como uma forma de melhorar, evoluir e falhar menos.
A diferença entre estas duas abordagens pode estar na educação. Se os pais reagem aos sucessos dos filhos, como as boas notas, com base na sua inteligência, vão implantar neles uma abordagem fixa relativamente ao sucesso. Se, pelo contrário, os pais estimulam nos filhos a ideia de que os seus sucessos são baseados no esforço vão impulsionar o desenvolvimento de uma abordagem em crescimento.

9 - As mães trabalham
Mais do que uma tendência em crescimento, as mulheres e mães trabalhadoras são uma banalidade dos dias de hoje. E isso parece ser positivo para o sucesso das crianças.
De acordo com uma pesquisa de Harvard há benefícios significativos no facto de as crianças crescerem com mães que trabalham. Este estudo descobriu que as filhas de mães que trabalham fora de casa estudam até mais tarde e têm maior probabilidade - mais 23% do que as filhas de mães que trabalham em casa - de vir a ter um cargo profissional de supervisão e a ganhar mais dinheiro.
No caso dos filhos (rapazes) de mães que trabalham fora de casa, o estudo também revelou que tendem a realizar mais tarefas domésticas e tarefas relacionadas com os filhos - passam mais 7h30 a tratar da casa e mais 25 minutos por semana a tratar dos filhos do que os filhos de mães que não têm empregos fora.
In Visão (texto adaptado)

domingo, 9 de abril de 2017

Um salto, dois saltos


LAUREN HURLEY/GETTY IMAGES
 
CATARINA LAMELAS MOURA in Público, 9/4/2017

Havia um banco alto na entrada, mas não era para Joana (nome fictício) se sentar. O trabalho de hostess num restaurante sofisticado no centro de Lisboa exigia que estivesse de pé em saltos altos durante turnos de seis horas – por vezes mais –, quase sem interrupções, cinco vezes por semana. Sempre com um sorriso, já que a sua função era receber os clientes à porta.
PUB
No dia em que chegou à entrevista de emprego – com uma T-shirt, blazer, calças de ganga e sabrinas – foi-lhe dito que “bastava estar um pouco como estava vestida, elegante”, mas rapidamente descobriu que não era esse o caso. “Por iniciativa própria, no primeiro dia levei uns saltos altos”, recorda. Apesar de estar habituada a usar saltos no dia-a-dia, até para a faculdade, era mais difícil fazê-lo durante horas seguidas sem ter a oportunidade de se sentar.
Recorda ainda os métodos que experimentou para persistir nas alturas: “borrachas nos sapatos, e palmilhas especiais”, por exemplo. Pouco tempo depois de começar a trocar os saltos pelas sabrinas a meio da noite e a aproveitar alguns tempos mortos para se sentar na cadeira, foi chamada à atenção. “O meu chefe de sala disse-me, de forma discreta, que não queria fazer um grande alarido sobre isso, mas que tinha mesmo de usar [saltos] porque [a gerência] já se tinha queixado que não era elegante e que não queria ter uma hostess a trabalhar assim”, conta. “Até aí nunca ninguém me tinha dito que não podia usar sapatos rasos e foi só mais tarde que me avisaram de que não me poderia sentar. Não podia fazer uma pausa, não me podia sentar – claro que podia ir à casa de banho”.
A gerência ainda chegou a oferecer-se para pagar uns novos sapatos, com um tacão mais baixo, caso trouxesse consigo o talão de compra, mas a situação tornou-se insustentável e Joana acabou por sair dois meses depois.
Nicola Thorp, residente em Londres, foi vítima de uma situação semelhante, em Dezembro de 2015 – um caso que gerou um debate alargado na sociedade, chegando inclusive a ser discutido no Parlamento do Reino Unido no mês passado.
Tudo começou quando a cidadã britânica, contratada como recepcionista pela PricewaterhouseCoopers (PwC), através da agência Portico, foi dispensada por recusar usar sapatos com salto alto. Apesar de se ter apresentado de fato e com um par de sapatos rasos formais, foi informada pelo gerente que teria de ir comprar um par de saltos altos ou então voltar para casa. “Pareceu-me bastante errado. Senti-me envergonhada. Tinha experienciado este tipo de situação antes e senti que já chegava”, contou mais tarde num ensaio escrito para o site do Today Show, da NBC.
Quando recusou cumprir a imposição, Thorp foi dispensada, mas não ficou parada em casa. A petição online que lançou – cujo título exigia “Make it illegal for a company to require women to wear high heels at work” (façam com que seja ilegal uma empresa exigir que as mulheres usem saltos altos no trabalho) – conseguiu reunir 138,500 assinaturas entre 9 de Maio e 9 de Novembro de 2016 – muito acima das 10.000 necessárias para garantir uma resposta oficial do Governo. Pouco depois, a Portico, empresa que fornece serviços de gestão de eventos e pessoal para diverdsas funções, decidiu rever as regras de apresentação, retirando requerimentos como o uso de saltos altos entre 5 e 10 centímetros. No regulamento que estava na altura em vigor, havia ainda exigências como “maquilhagem a toda a hora e regularmente aplicada, com, no mínimo, blush, batom ou gloss, rímel, sombra e base leve”, de acordo com o Guardian.
O comité das petições do Parlamento promoveu ainda um fórum online durante a segunda semana de Junho de 2016, para ouvir outras histórias de desigualdade de género no trabalho relacionados com as regras de apresentação. No total, receberam 730 respostas. “Ouvimos de mulheres que tinham sido obrigadas a pintar o cabelo de loiro, usar roupas reveladoras e constantemente reaplicar maquilhagem”, lê-se no relatório sobre o caso.
O Governo emitiu uma breve resposta à petição, declarando que o dress code das empresas têm de ter requerimentos idênticos para homens e mulheres, segundo aquilo que está escrito na lei, e mencionando ainda que já estava a trabalhar no sentido de remover barreiras à desigualdade – reduzindo as disparidades salariais e aumentando o número de mulheres nos quadros, por exemplo.
No início de Março de 2017, o tema foi levado à discussão no Parlamento. “Encontrámos atitudes que pertenciam mais aos anos 1850 do que ao século XXI”, disse Helen Jones, do partido Trabalhista e presidente do comité das petições, citada pelo Guardian. Ainda assim, não houve conclusões quanto a medidas práticas para a alteração à lei. Até porque, como apontou a ex-secretária de Estado para as Mulheres e Igualdade, Nicky Morgan, numa carta em resposta ao pedido de esclarecimento do comité de petições, o requerimento dos saltos altos imposto a Nicola Thorp já era ilegal, de acordo com o Equality Act de 2010, por tratar uma pessoa de forma desfavorável com base no sexo. Ou seja, para introduzir a alteração proposta na petição teria de ser revista uma lei que à partida já o proibia.
Ainda há medo de falar
De acordo com a lei portuguesa – que protege os trabalhadores de serem discriminados com base no sexo – tanto o caso de Nicola Thorp, como o de Joana representam infracções. Contudo, segundo diferentes entidades que trabalham para promover a igualdade de género, não existem actualmente queixas por parte de colaboradoras que indiquem que esta questão específica seja uma problemática real em Portugal.
A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) conta ao P2 que “não têm sido colocadas [à CITE] quaisquer queixas” de discriminação de género, “no que toca a regras de indumentária exigidas às funcionárias”. Das 397 queixas direccionadas a esta organização entre 2014 e 2016 (até 30 de Setembro), 216 estavam relacionadas com conciliação da vida profissional e vida familiar, 79 com igualdade e não discriminação em função do sexo (inclusive casos de assédio sexual e desigualdade salarial), 51 com a parentalidade e 51 com outros assuntos.
Já o último relatório de Actividades da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), relativo a 2015, indica que houve 267 advertências e 18 infracções autuadas por incumprimento de regras de igualdade e não discriminação, das quais apenas uma advertência (e nenhuma multa) resultou de questões relacionadas com igualdade de condições de trabalho. Nesse ano, as questões de género motivaram apenas 10% das 256 acções inspectivas pelos serviços da ACT no âmbito da igualdade e não discriminação no trabalho.
Numa declaração breve enviada por e-mail ao P2, também a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), confirma que “não tem, até ao momento, conhecimento de qualquer queixa sobre discriminação de género relacionada com regras de vestuário no meio laboral”. Até ao momento não efectuou, por isso, nenhuma acção nesse âmbito. A CIG não quis, no entanto, comentar a situação. O P2 tentou entrar em contacto com a presidente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), mas não obteve resposta. 
PÚBLICO -
Foto
MIGUEL MANSO
Joana explica que o meio em Portugal – e concretamente em Lisboa – é muito pequeno e que os patrões “têm maneira de fazer com que uma pessoa não volte a trabalhar” – por essa mesma razão preferiu manter o anonimato. “Na altura falei com outras três ou quatro raparigas que estavam na mesma situação e que trabalhavam como hostess. Elas comentavam ser completamente insuportável usar sapatos tão altos todas as noites. Sentiam que aquilo que recebiam não era suficiente para ultrapassar os problemas que iriam ter mais tarde nos pés e na coluna.”
Já Maria João Corte-Real, estudante de Medicina, não teve problema em dar o nome. Trabalhou numa loja de roupa de bebés no Porto, onde atendia ao balcão. Apesar de não ter nenhum contrato assinado, a gerência fazia questão que trabalhasse bem maquilhada todos os dias. “Era chato e não era a única pessoa que não gostava, pelo facto de ter de ser todos os dias. Se não usasse era chamada à atenção”, conta.
Ainda assim, reconhece que estava numa posição relativamente confortável. “Não fiquei especialmente incomodada porque não estava numa situação de dependência. Ouvi aquilo e pensei que faria o que quisesse e que, se houvesse outro dia em que não me apetecesse, não iria usar outra vez [maquilhagem]”, acrescenta.
Símbolo da sexualização das mulheres
O caso de Nicola Thorp não tem apenas a ver com um par de sapatos – mais do que isso, é uma questão dos direitos das mulheres. “Há uma história por detrás dos saltos altos e um elemento sexual, ao contrário de uma camisa e gravata para os homens”, sublinha a britânica, em entrevista ao Daily Mail. “Os saltos altos são desenhados para sexualizar as mulheres. Alongam as nossas pernas, mudam a forma como andamos e, quer tenhamos a intenção ou não, tornam-nos mais atraentes para ambos os sexos”, escreve Harriet Minter, editora da secção de Mulheres na Liderança do Guardian.
Maria Duarte Bello, licenciada em Direito e especialista em coaching e gestão de imagem, considera importante ter em conta aquilo que é acordado no momento inicial, entre empregador e trabalhador. “Está completamente aceite o facto de a mulher poder usar um vestuário, à partida, masculino. Hoje até se caminha para estilos mais andróginos, em que os homens também têm silhuetas mais femininas. É um vestuário unissexo”, comenta.
Quando exigências por parte da empresa são extremas, como aconteceu com o caso de Nicola Throp, e uma mulher concorda com as mesmas à partida “está a aceitar ser discriminada”, diz.
Mais do que uma forma para projectar a imagem de uma empresa, o dress code profissional deve servir “para facilitar a comunicação e o relacionamento entre as pessoas”, garante Maria Duarte Bello. “É um sinal de pertença a uma determinada organização ou a uma determinada escola”.
Os cerca de 400 colaboradores da Cisco Portugal não têm de seguir nenhum conjunto de regras concretas quanto ao vestuário. “O dress code é, no fundo, o bom senso”, conta a directora-geral, Sofia Tenreiro. Ditar a forma como as pessoas se devem apresentar no ambiente profissional seria equivalente a ensinar regras básicas de educação. “Da mesma forma, não digo a ninguém que tem de cumprimentar as pessoas quando chega ao escritório”, explica.
Há porém uma expectativa por parte da empresa que os trabalhadores respeitem os seus valores e se apresentem de acordo com diferentes situações. Há “equipas que são mais formais por terem contacto com entidades externas”, exemplifica – mas “não obrigamos ninguém a usar uma peça de vestuário ou de calçado específico” e também “não encontramos abusos”.
Na Microsoft Portugal, o dress code aproxima-se mais do lado informal. “Não temos uma política rígida nesta área. Valorizamos a diversidade e cultivamos a inclusão e isto significa que os trabalhadores também se podem expressar através do vestuário”, garante a directora de recursos humanos, Dalia Turner, em resposta ao P2. Ressalva, ainda assim, que a situação é diferente para os colaboradores que trabalham junto a clientes: “nesses casos particulares, pedimos que respeitem as políticas das companhias que visitam”.
Os colaboradores de loja da Zara vestem uma farda simples, com calças e camisolas de cores sóbrias. Há um asterisco para as mulheres: devem apresentar-se maquilhadas e com batom encarnado. Quem o diz é uma estudante de Aveiro – que prefere não revelar a identidade –, que trabalhou numa das lojas da marca durante um mês. “Os rapazes não tinham tantas regras em termos de visual”, aponta.
Apesar de não ter por hábito maquilhar-se no dia-a-dia, garante que o passou a fazer sem hesitação. Encontrou mais dificuldades por causa do cabelo “grande e encaracolado”. Quando a sua superior a encontrou com o cabelo preso disse que parecia que "andava a arrumar a casa”. “Tira já isso do cabelo”, ordenou-lhe, chamando-a ao gabinete para explicar que “era uma das pessoas que davam a imagem da loja e que tinha de ter boa apresentação”.
Não era o primeiro aviso que tinha recebido, mas “as primeiras duas vezes foram meiguinhas, dizia para andar de cabelo solto, pois tinha um cabelo muito bonito”, lembra a jovem estudante. “O problema era que eu baixava-me e das duas uma: ou não conseguia ver o que estava a fazer, porque o cabelo ia para a frente dos olhos, ou então tinha de o amarrar. Muitas vezes fi-lo involuntariamente”.
No final do mês de experimentação, a estudante não conseguiu uma posição permanente na loja, mas acredita que não foi por causa destes episódios, mas sim pelo facto de que não tinha perfil para a secção de homem – a única onde havia uma vaga. “Realmente não era muito boa nisso. Tinha muito mais perfil para estar na secção de mulher ou de criança”, conta.
O P2 tentou entrar em contacto com o departamento de recursos humanos de empresas como a Inditex (detentora de marcas como a Zara e a Massimo Dutti), Mango, Millennium BCP e BPI para perceber quais os códigos que regem a forma como os seus colaboradores se apresentam, mas todas elas recusaram prestar declarações.
Distância entre vida privada e profissional
A fotografia que Laraine Cook – treinadora da equipa de basquetebol de raparigas de uma escola em Idaho, nos Estados Unidos – publicou nas férias, com um bikini preto, foi motivo para despedimento, em 2013, relata o Los Angeles Times. Já o seu noivo na altura, que era treinador da equipa de futebol na mesma escola e que, na imagem, tinha a mão pousada no seu peito, foi simplesmente repreendido. Ambos estavam vestidos com roupa de praia.
 “Eles disseram-me que a fotografia tinha sido recebida no escritório distrital e pediram-me para escolher entre demitir-me ou ser despedida", disse Cook, citada pelo Idaho State Journal. "Disseram-me que o motivo pelo qual fui dispensada foi porque [a fotografia] tinha sido publicada no meu Facebook. No entanto, o nosso agrupamento escolar não tem nenhuma política acerca das redes sociais.”
Quanto à divisão entre a esfera privada e profissional – um tema relevante, já que existem vários casos de trabalhadoras despedidas pelas fotografias que escolhem partilhar nas redes sociais –, Sofia Tenreiro considera que a “fronteira é cada vez mais ténue”.
Tão facilmente se usa o horário de trabalho para tratar de temas pessoais, quanto o tempo livre para questões profissionais e, por isso, Sofia considera que “não podemos ter duas vidas: somos um todo, que tem uma componente pessoal e uma componente profissional, mas temos de ser coerentes”. “Não faz sentido porque terminei o meu horário de trabalho dizer mal da minha empresa nas redes sociais”, explica.